quinta-feira, 23 de maio de 2019

Um Museu para a Cidade Cerâmica (parte II)

B. Propostas

5. Um novo Museu de Cerâmica para as Caldas: justificação
O centro cerâmico caldense, cuja origem remonta aos finais do século XV, desenvolve uma actividade ininterrupta há mais de quinhentos anos. A produção cerâmica está igualmente presente de forma continuada noutros concelhos limítrofes, como Alcobaça, Óbidos e Bombarral.  Abrange praticamente todas as tipologias produtivas, desde o barro vermelho à faiança e à porcelana, e percorre toda a escala funcional, desde o utilitário ao decorativo e artístico. Tendo sofrido profundas alterações ao longo do tempo, tanto no plano tecnológico, como no da relação com o mercado, a produção cerâmica da região assenta em estruturas diversificadas, desde a industrial à artesanal e à de autor.
Nos últimos cento e vinte e cinco anos, e em particular nas três últimas décadas, a área da aprendizagem formal em cerâmica institucionalizou-se nas Caldas da Rainha. A primeira estrutura formativa surgiu no ensino técnico, com a criação de uma unidade de ensino industrial na década de 80 do século XIX (Escola de Desenho Rainha D. Leonor, depois Escola Industrial Rainha D. Leonor, origem da Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro de hoje). Um século mais tarde, a formação profissional da cerâmica era consagrada nacionalmente através da criação nas Caldas da Rainha de um Centro de Formação Profissional para a Indústria Cerâmica. Finalmente, no principio da década de 1990 foi fundada nas Caldas uma Escola de Arte e Design, hoje Escola Superior de Artes e Design, integrada no Instituto Politécnico de Leiria, oferecendo uma licenciatura na área da cerâmica.
Mau grado a crise que se abateu sobre o sector da faiança na última década, e que levou ao encerramento de muitas unidades industriais em Portugal, houve empresas caldenses que lograram adaptar-se aos novos condicionalismos dos mercados. A produção de cerâmica na região não desapareceu, tendo surgido novas unidades, novas áreas de negócio ou reformulações de unidades antigas. A inovação na gestão e no produto foi fundamental para a sobrevivência do sector.
Esta oferta diversificada de cerâmica, que acresce ao produto industrial ou artesanal valores simbólicos e artísticos, históricos e culturais, permitiu um reforço substancial e actual do lugar da cerâmica como factor de atractibilidade, reconhecimento e identidade do território.
Centro de Artes, Museu Barata Feyo
Consciente deste facto, a Câmara Municipal das Caldas, por exemplo, tem contribuído de forma sistemática para a defesa e promoção do património ceramológico local. Além das colecções que adquiriu a particulares e a empresas, afectou espaços públicos à intervenção de cerâmica escultórica e azulejar e constituiu uma colecção de criações do ceramista Ferreira da Silva. Desde 2005 tem promovido, em colaboração com diversas organizações implicadas, tanto na produção como no ensino, como no conhecimento e na promoção cultural da cerâmica, iniciativas destinados a celebrar a cerâmica de uma forma pluridisciplinar. O programa “Caldas Cidade Cerâmica” tem mobilizado saberes e competências do sector, gerou uma candidatura das Caldas a Cidade Criativa da Unesco e estimulou a participação da Câmara na formação de uma Associação Nacional de Cidade e Vilas com Cerâmica.
Azulejaria de fachada
Paralelamente, o interesse pela história e pela salvaguarda e valorização do património histórico-cultural ceramológico caldense afirmou-se em vários planos. O movimento editorial acompanhou estes trabalhos, tendo investigadores de história da cerâmica publicado, em Portugal e no estrangeiro, nas últimas décadas, um importante conjunto de estudos sobre ceramistas e cerâmicas caldenses. Este movimento, beneficiando certamente da radicação nas Caldas das estruturas de aprendizagem e de investigação acima referenciadas, foi acompanhado noutros concelhos limítrofes, nomeadamente Alcobaça.
A este movimento não tem correspondido a oferta museológica, a qual permanece prisioneira das limitações decorrentes de um edifício insuficiente e de um modelo de gestão inadequado. 
O défice da oferta museológica manifesta-se nos seguintes planos:
       -       não representa senão uma pequeníssima parte das colecções públicas e privadas existentes  no território;
-       não abarca a diversidade dos aspectos relevantes da actividade cerâmica, cingindo-se fundamentalmente à produção autoral e de cariz decorativo ou artístico;
-       propõe uma leitura das produções capturada pela história da arte, deixando de parte as perspectivas antropológica, económica e tecnológica;
-       mantém uma relação ténue e esporádica com o sector criativo e tem permanecido distanciada do tema do design;
-       não dispõe de serviço educativo adequado ao potencial formativo que encerra;
-       não gera nem se articula com o aparelho de investigação nacional;
-       não é actor relevante do turismo cultural local, regional, nacional;
-       permanece alheada da experiência museológica congénere internacional, para a qual não contribui e da qual não recebe estímulos nem projectos;
-       não gera centros de recursos, como biblioteca, laboratório, oficina de conservação e restauro;
-       não se relaciona activamente com a cerâmica que a cidade integrou nas fachadas dos seus edifícios de habitação, com que assinalou interna ou externamente alguns edifícios de prestígio e com a cerâmica instalada em espaço público monumental.
É do desfasamento entre condições/oportunidades e organização/implantação das estruturas museológicas que emerge a justificação para pensar um novo museu de cerâmica para a cidade.
Jardins do Museu de Cerâmica
(Quinta do Visconde de Sacavém)

6. A nova rede museológica
Propõe-se que a reorganização da oferta museológica da cerâmica das Caldas da Rainha se estruture como uma rede, coordenada pelo novo museu de cerâmica, composta pelos elementos a seguir indicados, com as respectivas funções/especializações:
-       Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro:
- colecções de bibliografia e documentos relativos à história do ensino da cerâmica iniciado em 1885;
- peças realizadas por alunos e professores;
- oficina de cerâmica para apoio ao ensino da história da arte e aberta à experimentação da comunidade que frequenta a escolaridade obrigatória.
-       Centro de Formação Profissional para a Indústria Cerâmica(CENCAL):
- colecções de bibliografia e documentos relativos à formação profissional nas áreas da modelação, da decoração, da preparação de pastas e vidrados;
- peças resultantes do trabalhos de formandos e formadores;
- arquivo de colaborações com instituições que proveram o ensino e o ensaio do design aplicado à cerâmica;
- Laboratório em apoio a projectos de investigação sobre o processo cerâmico;
oficinas em apoio de projectos criativos.
-       Escola Superior de Artes e Design (ESAD):
- colecções de bibliografia e documentos relativos ao ensino superior de cerâmica
- peças resultantes dos projectos realizados pelos alunos;
- oficinas em apoio a projectos criativos.
- centro de investigação “Laboratório de Investigação em Design e Artes” (LIDA) em apoio a projectos de investigação na áreas de história, património e produtos cerâmicos;
- cátedra UNESCO em “Gestão Cultural: Cidades e Criatividade” em apoio à gestão cultural e à curadoria;
- “Colecção de Design Cerâmico Contemporâneo” que lhe competirá ampliar, estudar e gerir. 
-       O Instituto Politécnico de Tomar (IPT):
- Laboratório de Conservação e Restauro de Materiais Cerâmico em apoio da constituição de um laboratório com essas funções no Museu de Cerâmica.
-       As oficinas municipais de cerâmica:
- obra em realização pela Junta de Freguesia de Nossa Senhora do Pópulo, Coto e São Gregório, em apoio a projectos criativos
- área expositiva anexa que poderá receber uma Concept Store.
-       O Centro de Artes das Caldas da Rainha:
- espaços de exposição temporária;
- com as suas residências para artistas;
- experiência curatorial e de gestão artística.
Pavilhões do Parque
-  A Faianças Artísticas Bordalo Pinheiro Hotel Montebelo-Bordalo Pinheiro (Grupo Visabeira): 
- colecções de documentos, instrumentos, máquinas e peças de cerâmica;
- ateliês e residências em apoio a projectos criativos;
- parcerias.
-        A Associação Património Histórico – Grupo de Estudos (PH):
- corpo de investigadores;
- experiência editorial e curatorial;
- Centro de Documentação de Cerâmica Caldense Contemporânea Ferreira da Silva.
-       O museu José Malhoa:
- colecções de cerâmica;
- espaços de exposição;
- biblioteca de arte;
experiência curatorial.
-    O Centro de Interpretação e Gestão do Património Cerâmico Urbano (a criar como valência do novo Museu de Cerâmica), cabendo-lhe:
- manter actualizado o inventário do Ptrimónio Cerâmico Urbano, zelar pelo respeito das normas que  regem a sua conservação, e desenvolver um programa integrado de valorização cultural e turística.
Poderão ainda integrar esta rede:
-       Fábricas de Cerâmica da cidade e região:
- museus de empresa;
- estruturas de acolhimento integradas em roteiros de cerâmica industrial (exemplo, a Molde);
-       Consórcios de ceramistas:
- oficinas particulares e estruturas de acolhimento integradas em roteiros de cerâmica artesanal

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