domingo, 10 de março de 2019

Biblioteca de um ceramista industrial. 1880-1980

A indústria moderna, baseada na utilização de máquinas-ferramentas e fontes de energia de alta eficiência, trouxe para primeiro plano o conhecimento técnico e científico e modelos de aprendizagem adequados à sua transmissão.
O objecto desta investigação segue, em paralelo, a produção e difusão dos saberes exigidos pela indústria cerâmica e os sistema de formação que foram postos ao seu dispor.
A investigação foi conduzida por João B. Serra, professor coordenador da ESAD, com a colaboração da bolseira Lia Gomes. Inscreveu-se no projecto CP2S, sob coordenação de José Frade, um projecto do Laboratório de Investigação em Design e Artes da Escola Superior de Artes e Design.
O lapso de tempo observado é de cerca de um século: desde a fundação da Fábrica de Faianças, em 1883, e da Escola Industrial das Caldas da Rainha, em 1884/86, até à criação de novos equipamentos de formação e ensino da cerâmica, entre 1982 e 1990.
A exposição a que o projecto deu origem reconstitui quatro momentos desta centena de anos. Em cada um deles, procurou-se reconstituir o elenco das obras nas quais os técnicos e industriais de cerâmica procuraram esclarecer as suas dúvidas sobre composição de pastas, dosagens de ingredientes para vidrados, temperatura de fornos e outros processos que garantissem qualidade e uniformidade aos seus produtos, e dos manuais que orientavam o ensino ministrado aos operários e técnicos de cerâmica.

Núcleo 1
Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha e Escola Industrial caldense

Em 1884, o centro cerâmico das Caldas da Rainha recebe duas iniciativas sem precedentes. Um conjunto de investidores de Lisboa decide criar ali uma grande  unidade fabril de produção de faiança de mesa e o Governo atribui à vila um estabelecimento de ensino visando a qualificação do sector operário.
As duas iniciativas funcionarão articuladamente a partir de 1887. Nessa altura, a escola passa a ter o estatuto de escola industrial, leccionando cadeiras como Desenho, distribuído pelos ramos Ornamental, Arquitectural e Mecânico, a Aritmética, a Geometria e a Química Aplicada às Artes e Especialmente à Cerâmica. Alguns dos professores que abriram a Escola tinham sido recrutado no estrangeiro, coo Carl von Bonhorst e Josep Füller. O Governo protocolou com a Fábrica um pagamento fixo contra a formação de aprendizes de quatro - louceiro-formista, oleiro, pintor vidreiro e forneiro de louça – em três anos.
Os manuais que integraram as bibliotecas da Fábrica e da Escola respeitam fundamentalmente a três áreas: obras de história dos fabricos de faiança na Europa, manuais de desenho e tratados de Química. As obras de referência são francesas, na sua maioria de cientistas e técnicos que ligados à Manufacture Nationale de Sèvres.

Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha
Carl von Bonhorst






Núcleo 2
A Fábrica Belo

Nos finais do século XIX, Avelino Soares Belo, que fora aluno da Escola e trabalhador cerâmico na Fábrica de Faianças, criou a sua própria empresa. Além de  um hábil modelador, era um espírito curioso, para quem a inovação devia ser sustentada no conhecimento. Anotava cuidadosamente em cadernos os resultados das suas experiências, na tentativa de melhorar as suas produções.
Nas instalações da sua oficina, Belo criou um laboratório. Num anúncio 1926, informava que a sua Fábrica de Faianças Artísticas enviava amostras e orçamentos sobre pedidos relativos a “massicote moído muito fino”, ou seja, óxido de chumbo, “vidro de oleiro pronto a empregar para manilhas e louças de uso caseiro”, informando que o vidro era “moído em moinho a tambor movido a força motriz” eléctrica. Na direcção da empresa, a Avelino sucedeu José Belo, seu filho, e Ivone Belo Nascimento, sua neta.
As obras incluídas neste núcleo respeitam um inventário realizado em 1985 por João B. Serra nas instalações da Faianças Belo, aquando do encerramento da fábrica.

Avelino António Soares Belo
Gazeta das Caldas, 9 de Abril de 1926


Faianças Belo, década de 1940

















Núcleo 3
A Fábrica SECLA

A seguir à Segunda Guerra, num contexto económico de abertura dos Estados Unidos à importação de bens europeus, surgiu nas Caldas uma nova empresa de faiança industrial, apostada em renovar processos técnicos e produtos cerâmicos, tanto no design como na decoração. Fundada por Alberto Pinto Ribeiro, esta fábrica tomou em 1946 o nome de Sociedade de Exportação e Cerâmica Lda (SECLA), sucedendo à Fábrica Mestre Francisco Elias registada em 1944. 
A SECLA dispunha de um Estúdio, uma espécie de laboratório criativo, onde arquitectos, artistas plásticos e designers realizaram ensaios, e um laboratório de apoio ao processo cerâmico, onde eram estudados, testados e controlados componentes de pastas e vidrados, o comportamento dos materiais e a resistência dos artefactos.
O laboratório da SECLA foi fundado em 1950, com a colaboração de Costa Ribeiro, professor de Química Tecnológica na Escola Industrial das Caldas. Mais tarde o próprio Pinto Ribeiro leccionou essa cadeira, onde teve como aluno um dos seus futuros colaboradores, António Cardoso.
Podem ser vistas neste núcleo algumas das obras de que Pinto Ribeiro e António Cardoso se socorreram nas décadas de 1950 e 1960.

Alberto Pinto Ribeiro


António Cardoso no Laboratório
da SECLA, anos 1960
Interior da Fábrica SECLA



3ª edição da obra de Parmlee, com uma dedicatória
de Alberto Pinto Ribeiro ao seu filho José
(uma obra... que tanto me ajudou a construir a minha vida)

Núcleo 4
As novas escolas: CENCAL, ESAD, IPT

Nas vésperas da adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, o Estado e organizações empresariais do sector cerâmico, entenderam oportuno criar uma instituição que apoiasse a modernização do fabrico de faiança e de materiais de construção. O Centro de Formação Profissional para a Indústria Cerâmica, resultou dessa iniciativa, nas Caldas da Rainha, simulando uma fábrica, com o seu circuito fabril e o seu laboratório, proporcionando aos alunos formações não apenas teóricas, mas também de natureza prática e experimental.
Na segunda metade da década de 1980, constatou-se também a necessidade de providenciar às empresas de cerâmica, perante o incremento da concorrência internacional, o recurso a profissionais com formações superiores em design. Surge assim, igualmente nas Caldas da Rainha, uma Escola Superior de Arte e Design, que integra nos seus cursos o Design e Tecnologia para a Cerâmica, antecessor do curso de Design de Produto – Cerâmica e Vidro. Por fim, a dimensão patrimonial e cultural da cerâmica foi contemplada com a criação de um Curso superior de Conservação e Restauro em Tomar, no Instituto Politécnico do mesmo nome. 
Neste núcleo, são apresentadas algumas das obras que integraram as primeiras bibliotecas destes três estabelecimentos onde se faz formação e ensino cerâmicos.

CENCAL





ESAD

ESAD
Oficina de Cerâmica

Instituto Politecnico de Tomar
Oficina de Restauro de Cerâmica