sábado, 13 de junho de 2020

A extraordinária obra em cerâmica de Alejandro Santiago sobre a diáspora

“A obra de Alejandro Santiago pode situar-se entre estes dois ângulos: um para descobrir a sua terra e as suas lendas; outro para descobrir a realidade da sua comunidade - a bela e mágica, mas também a incómoda e horrível - a efabulação dos mitos que parecem botar espontaneamente da natureza da sua própria terra e a tristeza do seu contexto de vida esgotado pela pobreza e pela emigração.
Santiago é o autor de pinturas de animais flutuantes e o criador de 2501 Emigrantes, figuras de barro onde se descobrem ausências (as da sua aldeia Teocuilco de Marcos Pérez, na Serra de Oaxaca, ou do número aproximado de mortes na fronteira entre o México e o Estados Unidos - existem estas duas interpretações da obra). É sua uma marca pictórica expressionista repleta de ocres e verdes, a referência ao horror do abandono e da morte por via de uma realidade que parece engolir pouco a pouco os contos e as lendas. Já não há onde encontrar essa magia que emerge dos animais e plantas oaxaquenhos? E se a aldeia acaba, porque todos morrem e com eles a sua língua, as suas cores e as histórias com que sonhavam uma vida melhor? 2501 figuras humanas de barro, todas diferentes, moldadas e cozidas por 32 artistas oaxaquenhos, viajaram em 2007 até ao Fórum Universal das Culturas em Monterrey, e, a seguir, até ao Zocalo (Praça da Constituição) na Cidade do México, a Bruxelas, São Francisco, Paris e Oaxaca: um exército de ausências, esperanças e perdas, observadas e registadas por milhares de espectadores através de uma “selfie”. 
Dolores Garnica, Magis, Fev. Março de 2017.

Alejandro Santiago nasceu em Teocuilco, uma aldeia do Estado mexicano de Oaxaca, em 1964, e morreu em 2013.
Frequentou a Oficina de Artes Plásticas criada em 1974 em Oaxaca, sob a inspiração de Rufino Tamayo (1899-1991), um dos pintores mexicanos do século XX mais conhecidos e celebrados internacionalmente (foi prémio Gulbenkian do Instituto das Artes de Paris, em 1969, Prémio de Pintura da Bienal de São Paulo em 1953), nascido em Oaxaca. Esta escola, hoje integrada no Departamento de Cultura e Artes de Oaxaca, foi constituída como alternativa à Escola de Belas Artes. Foi concebida como um espaço aberto aos jovens onde pudessem expor as suas criações e beneficiar de espaços de discussão, de análise e de experimentação. Tamayo participou com um importante donativo para o equipamento da escola.
Santiago trabalhou em Oaxaca e em Paris, em pintura com pigmentos sobre papel e papel “amate” (papel artesanal mexicano) e em óleo sobre tela. As suas obras, combinando primitivo e moderno, impressionaram favoravelmente galeristas e críticos de arte.
Em 2000 realizou sete esculturas de barro, uma experiência de representação cerâmica de figuras a uma escala próxima do natural ,inspiradas na paisagem humana da sua aldeia natal.
Foi a partir desta experiência que em 2001 concebeu o extraordinário projecto de compor 2501 estátuas cerâmicas em grés alusivas ao tema da emigração.
Durante 6 anos ocupou-se desta exigentíssima e desgastante empresa, no seu ateliê em Santiago Suchilquitongo, uma povoação perto de Oaxaca, que transformou numa empresa comunitária, na qual participarem 32 jovens e a sua própria família, sob a direcção de produção de Zoila Santiago, mulher de Alejandro. Todas as peças de barro assim elaboradas apresentam, nos pés, uma espécie de assinatura de cada um dos 32 jovens colaboradores do artista, índios mexicanos e mestiços. O processo está descrito aqui, por Cristina Rivera Garza.
Conta o galerista Robert Mc Donald (que com a mulher, Vivien, dirige The Bond Latin Art Gallery, em San Francisco) que trabalhou com Alejandro, que o artista, impressionado com o drama dos emigrantes que atravessavam a fronteira entre o México e os Estados Unidos, fez ele próprio esse percurso de emigrante ilegal para testemunhar as dificuldades imensas dessa perigosa viagem na qual muitos encontravam a morte. O testemunho de Robert pode ser lido aqui.
Entretanto, Alexandro percebeu, no regresso à sua aldeia, o efeito desintegrador e funesto que a emigração tinha sobre as comunidades de origem. Durante centenas de anos, essas comunidades tinham permanecido plenas de vida e de identidade. A emigração transformava as aldeias em amontoados de casas vazias, tomadas por fantasmas, e os campos agrícolas em terras abandonadas e sem préstimo.
A execução deste generoso e enternecido projecto de Alejandro foi registada num documentário que pode ser visto (incompleto) aqui.
Infelizmente, o projecto revelar-se-ia também esgotante para Santiago. A diabetes e a alcoolémia diminuíram a sua resistência intelectual e física e estiveram na origem de uma morte prematura.
Esta monumental obra tem vindo a ser conhecida nos últimos tempos. Nos finais de 2019 foi apresentada no Cemitério Hollywood Forever de Hollywood, em Los Angeles, associada à celebração do dia dos mortos.













Actualmente 501 peças estão expostas no Colégio de Santo Ildefonso, no Centro Histórico da Cidade do México. 

A cineasta Yolanda Cruz realizou em 2010 um documentário intitulado 2501 Migrants: A Journey/Reencuentros onde se retrata o desenvolvimento do projecto artístico de Santiago. Pode ser visto na íntegra aqui (se se interessou por este tema e leu este post até este ponto, não deixe de ver o belíssimo documentário de Yolanda).

As imagens que se seguem foram recolhidas por mim a partir do registo fílmico de 2006, acima referido.