segunda-feira, 20 de maio de 2019

Artista à Procura da Sua História: Luís Ferreira da Silva



Dois anos depois da publicação do livro Ferreira da Silva: Obra em Espaço Público, apresenta-se agora um trabalho que pretende reconstituir o itinerário artístico do autor. Gostaríamos de o ter concluído mais cedo, mas a amplitude, a dispersão e a desproporção de instrumentos museológicos disponíveis dificultou muito a cadência da investigação.
Quando em 2009 a Câmara referiu a intenção de constituir uma colecção Municipal Ferreira da Silva, com vista a um futuro Atelier com o mesmo nome, procurei desde logo que a esse propósito ficasse associada à formação de um Centro de Documentação.
Esse Centro foi criado na associação Património Histórico e está hoje em vias de incorporar perto de 10 mil imagens e documentos relativos à imensa obra de Ferreira da Silva. Esse material contém inúmeras referências à história da cerâmica e das artes plásticas das Caldas da Rainha e do País no período compreendido entre 1940 e 2010, sensivelmente.
Esta publicação e a investigação que a sustenta decorreram ambas sob a égide da Escola Superior de Artes e Design, do seu centro de investigação LIDA, Laboratório em Design e Artes, com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Importa assinalar esta caução institucional, porque ela corporiza uma relação virtuosa entre instituições académicas e valorização do património. A cooperação é o bom caminho para conferir solidez aos projectos, mas importa que, quando se fala de cooperação. se garanta uma efectiva partilha de meios e de responsabilidades.
Em que aspectos é que esta biografia artística de Ferreira da Silva acrescenta ao conhecimento que já tínhamos da sua obra?
-    a vinda para o Bombarral, em 1944, acompanhado por António Peça, para a Cerâmica Bombarralense, o contacto com Jorge de Almeida Monteiro e os artistas neo-realistas, como Vasco Pereira da Conceição, Maria Barreira, Júlio Pomar e José Dias Coelho, as Exposições Gerais de Artes Plásticas dos finais da década de 1940;

-    o círculo político e cultural que frequentou nas Caldas, a partir de 1954, em contacto com António Maldonado Freitas, Manuel Ferreira, Hernâni Lopes, Raul Coelho, o Conjunto Cénico Caldense, o ambiente da Oposição (Humberto Delgado, o MUD), em tempo da expansão da gravura como arte para grande consumo; 
-    a ruptura com a SECLA, após a saída de Hansi Staël, o período em que recorre à oficina de Afonso Angélico, a afirmação de um caminho próprio, e o regresso à Secla para fundar o “Curral”;
-    as relações com Luiz Pacheco (65/66), com a caracterização do ambiente boémio caldense de meados dos anos 1960;

-    a bolsa em Paris, período sobre o qual nada conhecíamos de muito sólido: sabemos agora o projecto que o levou a sair de Portugal e das Caldas. Esse projecto tinha dois objectivos - explorar a possibilidade do grés e o corte definitivo com a herança bordaliana, que, certamente influenciado por António Quadros, entendia como um abastardamento da cerâmica de raiz popular. Este aspecto é absolutamente crucial: Ferreira da Silva estava convencido de que a cerâmica contemporânea tinha que romper com essa herança bordaliana, se queria afirmar-se como uma disciplina artística ao lado das restantes. O encontro com a obra de Picasso e doutros mestres em Paris vincou essa convicção que levou até ao fim da sua vida. Mas. Como assinalou bem Rafael Calado, esse caminho de ruptura já estava a ser percorrido por Ferreira da Silva desde meados dos anos 50;
-    a CERAMEX, seus dramas empresariais e realizações também é aqui aprofundada. Queremos concluir esta revelação organizando ainda este ano uma exposição sobre a CERAMEX (1973-1977);

-    os anos 90, com a montagem de um atelier nas Gaeiras, a presença em galerias e exposições internacionais, a recuperação do projecto de Paris 1967, que a CERAMEX e a ROLCER tinham interrompido;
-    e, por fim, a descoberta ou a redescoberta da cerâmica na arquitectura e na cidade, o tema que fascinou Ferreira da Silva nas últimas décadas de vida, sobretudo centrado na recuperação do azulejo e na instalação escultórica em espaço público.
Colaboraram neste projecto da forma mais generosa que se pode imaginar coleccionadores e detentores de peças, detentores de imagens e documentos, amigos e admiradores de Ferreira da Silva. E ainda: João Martins Pereira, que comigo calcorreou Portugal, para fazer cerca de 3500 fotografias de peças, Carla Cardoso que chefiou a equipa de produção do livro, com a Nayara Siler e a Francisca Venâncio.
Enfim, o Dr. José Luís Almeida e Silva acompanhou este projecto desde o princípio, dando sugestões, apontando pistas, cedendo materiais e carreando informação relevante para este trabalho. Coube-lhe esse papel de  estímulo primeiro e permanente do projecto.
Agora ficamos à espera, professora Isabel Xavier, da obra gráfica e pictórica e da reedição do livro inédito de poesia de Paulo Ferreira Borges, Celebração das Árvores, com ilustração de Ferreira da Silva.


[Intervenção realizada na apresentação do livro, Centro Cultural e de Congressos, 11 de Maio de 2019]

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