quinta-feira, 3 de outubro de 2019

A SECLA e o seu Laboratório nos anos 1980

A Secla era única fábrica* de produção de louça em faiança que tinha um laboratório. A outra era a de Sacavém que produzia uma faiança feldspática, mas fechou. De resto só as fábricas de porcelana possuíam laboratórios ou embriões de laboratórios.
O LNEC dava algum apoio. Tinha um pequeno laboratório cerâmico, um pouco mais bem equipando do que o da Secla, mas os técnicos não tinham muito conhecimento do que se passava na realidade nas fábricas. Faziam-se aí análises químicas e determinação de Pb e Cd (Chumbo e Cádmio), em louça em contacto com alimentos. 
Havia no LNEC uma máquina de fazer provetes que era a minha inveja, pois no laboratório da Secla os provetes eram feitos numa máquina de picar carne de bancada. Em todo o caso, o pessoal era tão experimentado que provavelmente os provetes feitos na Secla eram melhores do que os do LNEC, porque eram secos com todo o cuidado para não se deformarem. Esses provetes, após completa secagem, serviam para a determinação do módulo de rotura em crú (feita num aparelho rudimentar de partir provetes) e depois em cozido. 
Na década de 70, apenas a Secla fazia o controlo da percentagem de dilatação da pasta e dos vidrados, para controlar o grau de moagem dos materiais rijos, e saber com antecedência se iriam acontecer problemas de desacordo, craquelê ou descasque. Isso era feito num dilatómetro rudimentar, no qual era necessário, de 5 em 5 minutos, fazer leituras da temperatura e da variação de comprimento do provete em análise durante o programa de aquecimento (que demorava cerca de 2 horas).
Na verdade quando o Cencal abriu o seu laboratório (o Cencal abriu o seu Laboratório, sob a minha direcção, na segunda metade da década de 1980), teve uma avalanche de clientes para estas determinações. Os equipamentos eram caros e exigiam pessoal especializado para trabalhar com eles e retirar as conclusões que depois se reflectiam no processo fabril - mais ou menos tempo de moagem dos materiais rijos, mais ou menos temperatura de cozedura da pasta e do vidrado.
Na Secla na década de 70 já havia um forno túnel a gás, de cento e tal metros de comprimento, com vagonas que circulavam sobre carris, que estava ligado todo o ano. Só parava no mês de férias para manutenção. Só vi um forno parecido com este para cozedura de louça de faiança em Espanha, na fábrica da Cartuxa. As cozeduras demoravam 20 e tal horas. 
Lembro-me de em 1980 ter efectuado estudos para a diminuição do ciclo de cozedura. Em 1982 foi possível reduzir este ciclo de aquecimento para 14 horas, o que representou uma considerável economia de energia e do respectivo custo.
De resto as fábricas de dimensão inferior, como a Bordalo Pinheiro ou a Subtil, tinham fornos intermitentes. Na década de 70 estes fornos eram eléctricos, porque a electricidade estava mais barata do que o gás. Depois nos anos 80 os termos dessa relação inverteram-se a e a opção dos fornos mudou para o gaz.
O revestimento isolante de todos os fornos era então em refractário, denso e pesado, com paredes e abóbodas de grande espessura para minimizar as perdas de calor. Na Secla havia também dois fornos de câmpanula, igualmente ingleses. Muito curiosos. Eram intermitentes, e o que se levantava era o corpo do forno. As vagonas eram estáticas. Nunca vi noutro sítio, em Portugal ou na Europa, fornos iguais àqueles. Apesar de tais revestimentos isolantes, o calor na secção dos fornos era insuportável, pelo menos no Verão. Havia sempre mulheres que desmaiavam por causa do calor. Hoje os fornos têm revestimentos leves de fibra mineral, e cozem em meia dúzia de horas.
O que ainda vi em 80 foi os homens a levarem as tábuas com as peças acabadas de conformar ao ombro, como se pode ver na agência do antigo BPA, na Praça da República, um mural feito pelo mestre Herculano Elias representando essa cena. Hoje em dia as peças circulam em passadeiras ou em carros não sendo usual já, poder ver-se um trabalhador com uma prateleira de madeira ao ombro carregada de peças de uma secção para a outra.
De resto, a Secla também foi pioneira no planeamento e na monitorização das encomendas. Nos anos 80 tinha uma secção de planeamento com um quadro magnético onde se podia ver em que ponto do circuito fabril se encontrava uma dada encomenda, representada por um botão metálico colorido.
Mais tarde um enorme computador, o computador central, foi adquirido e instalado numa sala com ar condicionado para fazer o planeamento e processamento de salários. Este computador tinha 1 mega de memória.
O resto das máquinas e equipamentos existentes não sofreram tanta evolução como os que referi, pelo que ainda é possível encontrá-los em funcionamento em muitas fábricas produtoras de louça: os jaules, as prensas, as mesas de enchimento de moldes, os secadores, as secções de vidragem e de pintura. O que mudou aqui é que devido à obrigatoriedade do cumprimento das normas de SHST as condições e os postos de trabalho são mais limpos, há menos pó no ar, há menos calor, há mais luz nos pontos em que ela é necessária e há menos ruído no geral. Para o fabrico das pastas a Secla tinha o última tecnologia disponível: Moinhos Alsing, diluidores , filtos prensa, e o mesmo para o fabrico dos vidrados.
Nas secções de modelação em gesso, o ambiente era sossegado e menos ruidoso. Havia algum pó de gesso pelo ar. Mas as bancadas eram limpas e o chão também. Havia um diluidor de gesso, peça também rara nessa altura e neste tipo de fábricas.
Havia na Secla um relógio de ponto com cartão.


* Depoimento recolhido em .Junho de 2007 junto de Maria Helena Arroz,Engenheira Química, então directora técnica do Centro de Formação para a Indústria Cerãmica das Caldas da Rainha (Cencal). Dirigiu o Laboratório da Secla na primeira metada da década de 1980.

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