terça-feira, 22 de agosto de 2017

O pintor que colecciona cerâmicas

Pergunta:
O que lhe interessa na cerâmica que tem vindo a reunir? A forma? A matéria? O padrão? A cor? Outra coisa?
Helmut Federle:
Não é uma questão de forma nem de cor. O que interessa é o espírito. A cor e a forma são assim suportes deste espírito. É uma questão de clima, em que a provocação materializa e evoca a forma e a cor adequadas. Além disso, vejo nas cerâmicas os resquícios de significâncias centenárias e a sua integração; conferem uma espécie de orientação às respectivas culturas e, nos seus códigos, representam os sentidos que lhes são atribuídos regionalmente. Isto mostra que, em cada uma destas culturas existem diferentes manifestações que prestam homenagem sempre às mesmas questões sobre identidade, mas que, contudo, não comunicam entre si ao nível superficial. 

Helmut Federle. Matéria Abstracta (Pinturas e Cerâmicas). Exposição com curadoria de Jorge Rodrigues. Museu Calouste Gulbenkian, de 9 de Junho a 18 de Setembro de 2017.
Catálogo, p. 12.

O subtítulo da exposição pode induzir em erro (foi o meu caso): a exposição põe em confronto a obra do pintor e as suas colecções de cerâmica, e não (como supus) duas actividades criativas do mesmo autor. Mas nem por isso as questões que coloca são menos interessantes. A pintura abstracta de Helmut Federle, nascido em 1944 na Suíça, apresenta intersecções com as cerâmicas japonesas, persas e marroquinas que reuniu. Na exposição da Gulbenkian soa apresentados alguns exemplares.
Helmut recusa o epíteto de coleccionador, mas a sua obra reflecte sobre a experiência, senão a do coleccionador, ao menos sobre a viagem pelo interior de uma colecção sobre o valor dos objetos atribuído pelo desejo de os coleccionar. Aliás, esse é também um dos temas centrais de outra exposição que pode ser vista na Gulbenkian, intitulada Escultura em Filme.
As cerâmicas adquiridas por Helmut Federle, taças e jarros, recipientes para líquidos e produtos farmacêuticos, são testemunhos de culturas distantes no tempo e no espaço: Turquia, Japão, Pérsia, Marrocos, séculos XIV a XVII. 
Taça preta para o chá. Japão, final do século XVII.
Confecção segundo a técnica do raku.
Particularmente impressiva é a colecção de taças japonesas usadas para o chá, uma bebida que integra um cerimonial muito exigente. Segundo informa o curador da exposição, as taças são assimétricas, pondo desta forma em evidência a confecção manual subsequente ao levantamento da peça na roda de oleiro. São revestidas por vidrados monocromáticos,  algumas enegrecidas pela técnica redutora do ragu. Ostentam as marcas do tempo e do uso, das manchas e dos restauros a que foram sujeitas. As chawan, como se designam, são de grande diâmetro, para permitir que os seus utilizadores possam sentir o calor e o cheiro do chá antes de o beberem lentamente.

João B. Serra

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