domingo, 20 de agosto de 2017

Cerâmica caldense. Nota histórica

A produção de cerâmica nas Caldas da Rainha está documentada desde a fundação da cidade, nos finais do século XV. A Rainha D. Leonor e o primeiro administrador do Hospital Termal, em torno do qual surgiu a povoação, quiseram garantir o abastecimento em produtos cerâmicos do próprio Hospital e incluíram um oleiro entre os primeiros trinta privilegiados da localidade.
No século XVIII, o centro de produção cerâmico caldense era apontado como um dos mais importantes do país, a par de Lisboa, Porto/Gaia, Coimbra, Estremoz. Produzia-se, além de olaria corrente e utilitária nas modalidades de louça vermelha e louça vidrada, uma “faiança de olaria”, e o que foi sendo designado por "louça de artifício", por outras palavras, louça decorativa.
Destinada sobretudo a uma clientela abastada, nobre ou burguesa, que acompanhava a família real nas suas deslocações anuais à cidade para tratamentos termais, os oleiros caldenses tinham criado objectos cerâmicos, por vezes de grande aparato, com vidrados escorridos e com aplicações relevadas de inspiração gótica e manuelina.
Na primeira metade do século XIX, introduziram também a figuração humana e animal em pequenos objectos utilitários que tiveram uma enorme difusão em todo o país. Foi com base nesta inovação, que na segunda metade do mesmo século, uma geração brilhante de ceramistas adoptou na produção cerâmica das Caldas um estilo naturalista, subsidiário do chamado "neo-palissy" que se difundiu, a partir de França, para o Reino Unido, Itália e outros países europeus.
O nome mais importante deste grupo de ceramistas foi Manuel Cipriano Gomes, commumente conhecido como Manuel Mafra, que obteve o título de fornecedor da Casa Real e foi premiado em diversas exposições internacionais, tanto na Europa, como nos Estados Unidos e no Brasil, no final da década de 1860 e na seguinte. Mafra inaugurou a prática de identificar peças com a sua marca de fabricante e com a menção Caldas/Portugal, dessa forma promovendo o reconhecimento do fabricante e do centro produtor.
É neste contexto que um grupo de investidores nacionais lança o projecto de criar nas Caldas uma grande fábrica de cerâmica, inspirada pelo movimento "arts and crafts" britânico e no modelo francês da fábrica nacional de Sèvres. A empresa, denominada "Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha", foi fundada em 1884. Tirava partido do reposionamento da região, em vias de ser beneficiada com acesso ferroviário a Lisboa, e de um novo modelo de formação operária patrocinado pelo Estado, o das Escolas Industriais, com o qual a vila também foi contemplada. Para director artístico foi designado o mais brilhante desenhador e decorador da época, Rafael Bordalo Pinheiro.
Apesar de fragilidade financeira da organização, facto que viria a comprometer o ambicioso plano dos fundadores, a louça artística de Bordalo teve um estrondoso êxito e foi recebida com entusiasmo na Exposição Universal de Paris de 1889.
No século XX, outra importante unidade industrial de faiança surgiria nas Caldas, a SECLA. Também aqui estamos perante um processo de inovação, em que se conjuga a componente técnica com a exigência artística. Os produtos da SECLA conquistaram os mercados do norte da Europa e dos Estados Unidos, promovendo uma adaptação dos traços naturalistas da louça tradicional das Caldas aos constrangimentos próprios de uma produção industrial de louça de mesa.
Painel azulejar realizado na fábrica Aleluia, para o exterior da SECLA III,
nos finais do século XX. O painel baseia-se na decoração do laboratório
criado na década de 1950 por Hansi Staël, então directora artística da fábrica.
As instalações desse antigo espaço de trabalho de H. Staël foram destruídas,
tendo a pintura sido registada fotograficamente pelo Arq. Nuno Matos Silva,
responsável pela reconstituição da imagem que serviu de base a este painel,
onde estão representadas a diversas fases e operações do trabalho cerâmico.
Essa operação foi controlada por directores artísticos, vindos das artes plásticas ou da aprendizagem cerâmica local - como Hansi Staël, José Aurélio, Ferreira da Silva, Herculano Elias - e atraiu um lote significativo de artistas plásticos portugueses e de outras nacionalidades que procuraram a fábrica para as suas experiências nos domínios da louça decorativa, da integração da cerâmica com a arquitectura ou mesmo da pintura ou da escultura em suporte cerâmico.

João B. Serra

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