Rigor
e criatividade
As exposições de Eduardo
Constantino constituem sempre uma oportunidade maior de encontro com a
cerâmica, as suas especificidades e as modalidades pelas quais se integrou na
produção artística. A coexistência de uma cerâmica decorativa e artística, a
par de uma cerâmica funcional e utilitária é uma prática milenar, que remonta às
origens da produção. Mas o investimento pelas artes plásticas da disciplina
cerâmica é um movimento internacional, com pouco mais de século e meio, que se
tem aprofundado nas últimas décadas.
O contributo do centro
cerâmico das Caldas da Rainha, onde Eduardo Constantino tem as suas origens,
para esse movimento foi, em diversos momentos, pioneiro e original, e, sempre,
uma fonte de sólidos valores que o percurso da cerâmica contemporânea
incorporou. Sucedeu assim com a adopção do naturalismo, o chamado neo-palissy,
na segunda metade do século XIX, a modelização cerâmica a partir do desenho,
que teve em Rafael Bordalo Pinheiro um expoente de primeira grandeza, as experiências
do estúdio da fábrica Secla dirigido por Hansi Stäel (e pelo qual passaram
nomes significativos da modernidade das artes plásticas dos anos 60), o advento
do design. Eduardo Constantino nasceu e formou-se num meio onde se cruzam
diversas tendências da cerâmica contemporânea, práticas e autores, e onde um
saber artesanal centenário foi actualizado no século XX pelas escolas, pela
indústria e pelo sistema de formação profissional.
Radicado em França, há
mais de três décadas, Eduardo Constantino desenvolveu uma produção cerâmica
respondendo a desafios muito exigentes, tanto no plano técnico como no da exploração
da expressão plástica. Ao longo deste período, enquanto conquistava uma
projecção internacional, com menções nas revistas especializadas, presença em
galerias e junto de coleccionadores privados e públicos, incluindo colecções
museológicas, participou regularmente em exposições colectivas ou individuais
em Portugal.
A obra cerâmica de
Eduardo Constantino dá corpo a projectos muito ambiciosos, executados com
grande rigor. O rigor cumpre-se na demarcação fina do campo de intervenção, na
coerência das soluções adoptadas, no vigiado experimentalismo prosseguido com
investigação dos materiais e processos, de que resulta um fio condutor, que
unifica e define todo o seu trabalho.
Partiu de uma tipologia
de formas cerâmicas bem referenciada, onde sobressaem as formas tradicionais de
contentores cerâmicos, sem todavia cortar o caminho a algumas formas
inovadoras, nomeadamente as que resultam de deformações e reconformações.
Assim, tem-se vindo a notar uma preferência crescente pelos objectos de
superfícies planas, construídos a partir da justaposição de placas, em
substituição das formas rodadas iniciais. Mas, em qualquer caso, o autor tem
mantido o nexo com os cânones da cerâmica decorativa que privilegiava os
objectos susceptíveis de receberem um uso corrente: uma jarra, um canudo, um
pote, uma caixa.
Constantino tem-se
concentrado nos efeitos de cor, textura, vitrificação e brilho, obtidos através
da aplicação de engobes e vidrados e dos métodos de cozedura e respectiva
oxidação, com geral preferência pelas altas temperaturas, as do grés e
porcelana.
A cerâmica é basicamente
um conjunto de procedimentos que visam controlar a qualidade de um artefacto de
argila submetido a alterações através da cozedura. E, de facto, é este o ângulo
pelo qual Eduardo Constantino aborda a cerâmica. Os ceramistas sabem que há uma
dose de imprevisibilidade nesse conjunto de operações e procuram condicioná-la,
sem a eliminar. Recorrem à pesquisa e à experimentação, à observação e à
comparação dos resultados obtidos em diferentes centros cerâmicos, com recurso
a tecnologias e técnicas diferentes ou diferentemente combinadas.
Tem sido este o caminho
do ceramista Eduardo Constantino. A linguagem plástica que exprime é realizada
através do aprofundamento da disciplina cerâmica, e não de qualquer outra, como
é o caso de aproximações à cerâmica com a marca da escultura, da pintura ou de
ambas.
A esta unidade
metodológica corresponde uma unidade problemática, o que reforça o rigor do
trabalho do ceramista. Os jogos de cores e de texturas, de brilhos e de
transparências constituem o essencial da procura plástica de Eduardo
Constantino, em busca de novas combinações que possam surpreender sem dissolver
os elementos de que compõem, de novos ritmos sem dissonâncias, de novos
mistérios que não escondam pelo artifício a verdade da natureza que lhe subjaz.
Se a natureza é matéria,
a reconstrução a que o ceramista procede, tirando partido do que podemos
antecipar para melhor preparar a explosão da metamorfose, é um exercício
idêntico ao da poética. Estamos perante o que os gregos, para distinguir a mera
reprodução do real da narração criativa chamaram transfiguração. A
transfiguração torna possível um novo mundo. Este é talvez o conceito que
melhor identifica a obra de Eduardo Constantino.
João B. Serra
Texto publicado em:
Eduardo Constantino: Chroma. Catálogo de exposição de cerâmicas realizada em Óbidos, Galeria Nova Ogiva, Outubro de 2008.
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